Onze egressos do sistema penitenciário foram homenageados, na terça-feira (13 de setembro), pela aprovação na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). O resultado é fruto do trabalho de reinserção social desenvolvido pelo Escritório Social do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (GMF/TJMT).
O ingresso foi possibilitado através do Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas em Privação de Liberdade (Enem PPL). Conforme explica a responsável pedagógica do escritório, Adelaide Moraes, inicialmente a prova era aplicada nas unidades prisionais, apenas às pessoas em cumprimento de pena em regime fechado. Desde 2021, o exame é aplicado na Fundação Nova Chance (Funac) às pessoas em regime semiaberto e domiciliar. A nota pode ser utilizada para a certificação de conclusão do Ensino Médio e para concorrer normalmente nos processos seletivos das instituições de ensino superior.
“Na primeira edição tivemos 13 participantes e sete convocados pela UFMT. Desses, quatro foram matriculados e iniciaram a graduação. No ano passado, 31 egressos participaram da prova e 20 foram convocados, seja pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) ou pelo processo de seleção para vagas remanescentes e 14 efetivaram a matrícula”, revelou a pedagoga.
Os novos universitários estão ingressando nos cursos de Geografia, Serviço Social, Ciência e Tecnologia de Alimentos, Física, Engenharia Elétrica, Engenharia Florestal, Ciências Naturais e Matemática.
Alguns dos atendidos retomaram os estudos durante o período de reclusão, como forma de remição da pena. A legislação permite que seja abatido um dia de pena para cada 12 horas de frequência escolar divididas, no mínimo, em três dias. O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de um terço, no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação. As atividades podem ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino à distância (EAD) e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados.
A coordenadora do Escritório Social, Beatriz Dziobat, explica que o trabalho inicia com a acolhida da demanda espontânea por ensino do egresso. Na sequência é realizado um levantamento sobre a vida escolar pregressa e a situação da documentação escolar. “Nós também oferecemos apoio para regulamentar a documentação para que eles possam dar sequência nos estudos e na qualificação profissional”, acrescentou.
Ela também ressaltou que o atendimento só é possível pela união de esforços em rede, com a participação das empresas e instituições que apoiam a iniciativa. “Nossa missão é essa. Damos o direcionamento para que eles sigam o próprio caminho, se formem, tenham uma profissão e sejam exemplo para os próximos”, conclui.
Além da homenagem, os egressos receberam uma pasta kit com materiais escolares para uso nas aulas.
A solenidade também contou com a participação do presidente da Funac, Winkler Teles.
Superação – Fabrício* está fora do sistema há 10 anos e, nesse período, sempre teve a Educação como aliada no processo de reinserção. Ele ingressará em um curso de licenciatura da UFMT.
“Passei por esse período difícil dentro do sistema prisional, mas com o apoio da família e dos amigos busquei oportunidades para estudar e voltar ao mercado de trabalho. Aqui recebi as orientações e incentivos necessários para fazer o Enem e pleitear essa vaga na universidade”, relembra.
“O recomeço é sempre difícil. A gente olha o caminho longo a ser percorrido pela frente e, dependendo da forma que enxergamos, pode ser uma barreira. Mas o estudo sempre esteve comigo, eu sempre gostei de estudar, de ler e pensava em um dia fazer uma faculdade. O período de reclusão acabou prolongando o caminho, mas eu nunca desisti,” avaliou o regresso.
Ele também revelou que, mesmo dentro do sistema, cultivou o hábito da leitura. Apesar de já ter concluído o Ensino Médio, também frequentava a escola e conseguiu cursar Filosofia, matéria que não fazia parte da grade escolar quando concluiu os estudos.
O sonho de Fabrício agora é concluir a licenciatura e retribuir à sociedade em sala de aula.
Cláudia* contou com a ajuda do Escritório Social e da Funac para recolocação no mercado de trabalho e hoje atua como auxiliar administrativa na Controladoria-geral do Estado (CGE-MT).
O Enem PPL possibilitou a sua primeira aprovação no vestibular e a realização de um sonho. “Antes de entrar no sistema prisional, eu já sonhava em entrar na UFMT. Já havia tentado pelo Enem outras vezes”, contou.
“Como mãe solo de duas crianças, eu acreditava que não dava mais tempo pra mim. Quando fui aprovada voltou a esperança e falei pra mim mesma que dou conta”, disse.
Ela é a primeira da sua família a cursar uma faculdade e fica honrada por servir de exemplo para outros egressos.
Pedagogia social – A pedagoga Adelaide explica que muitos egressos não vislumbram a educação como um caminho para a reinserção na sociedade. A maior parte dos contatos é feita na busca de uma recolocação no mercado de trabalho, principalmente por conta da idade mais avançada e dos compromissos familiares.
Além disso, eles sofrem com o estigma de que devem ser mantidos isolados do convívio social.
“Costumo dizer que o que realizamos aqui é um trabalho pedagógico social. Nosso trabalho vai além da educação formal, muitas vezes dando suporte emocional a essas pessoas”, comenta a assessora.
Apesar de não possuir nenhuma pesquisa sobre o assunto, Adelaide garante que a vivência mostra que a maioria das pessoas que buscam o caminho da educação, não retorna ao sistema penitenciário.
“Eu sempre conto a história de um moço que passou pelo sistema prisional e quando saiu foi estudar. Ele terminou a faculdade como melhor aluno da turma, foi convidado para o programa de mestrado e aí não parou mais. Ele fez mestrado, doutorado e pós-doutorado. Hoje ele é Ph.D. e servidor público federal. Esse foi um exemplo que me motivou muito a ampliar o trabalho desenvolvido aqui”, conta.
*Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.
Direito constitucional – O Poder Judiciário, por intermédio do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF-MT), tem acompanhado a implementação da Política Nacional de Educação nas prisões do estado. O objetivo é ampliar o acesso à educação, por entender que, além de ser um direito assegurado constitucionalmente aos privados de liberdade e aos egressos, também assegurado na Lei de Execuções Penais, é um instrumento importante para a ressocialização e reintegração à sociedade.
“Este ano nós temos em educação regular dentro das unidades prisionais cerca de três mil pessoas. O passo seguinte é a universidade”, afirmou o coordenador do Eixo Educação do GMF, juiz auxiliar Bruno D’Oliveira Marques.
“Em 2022 tivemos mais de 40 pessoas do sistema fechado cursando uma faculdade. Este ano, o GMF firmou parceria com a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT) e com as seis maiores instituições de ensino do estado, a fim de que essa política seja ampliada. Inclusive com a oferta de vagas remanescentes aos privados de liberdade”, acrescentou o magistrado.
#ParaTodosVerem – Esta matéria possui recursos de texto alternativo para promover a inclusão das pessoas com deficiência visual. Foto 1: Banner azul claro com a logo do Escritório Social na cor branca aparece em destaque, com os egressos sentados ao fundo, Foto 2: Coordenadora do Escritório Social, Beatriz Dziobat, presidente da Funac, Winker Teles, e assessora pedagógica, Adelaide Moraes, conversam com egressos. Eles estão em pé, lado a lado. Foto 3: Braço de egresso com a palavra UFMT escrita em tinta guache preta. Foto 4: o juiz auxiliar do GMF, Bruno D’Oliveira Marques em pé trajando terno azul e gravata cor de rosa.
Adellisses Magalhães/Fotos: Eduardo Guimarães e Maycon Xavier
Coordenadoria de Comunicação da Presidência do TJMT
imprensa@tjmt.jus.br